Setor industrial tem desafio da neutralidade de carbono

Parceria entre a sueca SSAB, a estatal de eletricidade Vattenfall e a mineradora de ferro LKAB buscam a fabricação do primeiro aço livre do uso de combustíveis fósseis

Valor Econômico – Em outubro, o Volvo Group revelou o primeiro veículo do mundo feito com aço “verde”. O caminhão elétrico autoguiado pesa oito toneladas e foi projetado para uso em minas e pedreiras.

Foi resultado de uma parceira industrial entre a siderúrgica sueca SSAB, a geradora estatal de eletricidade Vattenfall e a produtora de minério de ferro LKAB. O objetivo das empresas era produzir o primeiro aço livre do uso de combustíveis fósseis, substituindo o carvão de coque, tradicionalmente usado na produção, por hidrogênio verde.

Indústria pesada, como aço e cimento, está na vanguarda para cortar emissões; siderurgia é geradora de 7% a 9%

A parceira, apelidada de “Hybrit”, está na vanguarda dos esforços da indústria europeia para desenvolver técnicas de produção que emitam menos carbono e façam uso mais eficiente da energia.

Muitas iniciativas já estavam em andamento antes da covid-19, mas a pandemia fez líderes industriais voltarem suas atenções para a importância de remodelar e fortalecer as cadeias de abastecimento e de lidar com problemas de longo prazo – em particular, as mudanças climáticas.

“Não é mais uma questão de ser o produtor de custo mais baixo, mas de ter resiliência em sua cadeia de abastecimento”, diz Stephen Phipson, executivo-chefe da associação setorial britânica Make UK.

Executivos industriais no Reino Unido vêm reavaliando o processo de produção “just in time”, assim como o tamanho dos estoques que precisariam ter no futuro para garantir uma maior resiliência. A importância da capacitação profissional também ganha destaque na agenda, especialmente diante da briga das empresas para atrair e manter funcionários depois da pandemia, que deixou muitas delas com falta de mão de obra.

A transformação, porém, não se dará da noite para o dia, alertam líderes empresariais.

Uma pesquisa feita pela McKinsey em novembro colocou em evidência os principais desafios. Na pesquisa anterior, de maio de 2020, a maioria das empresas declarou ter planos para fortalecer a resiliência da cadeia de abastecimento, o que incluía diversificar as bases de suprimento. Na prática, contudo, no fim de 2021, o que a maioria fez, em grande medida, foi aumentar seus estoques.

A pesquisa mais recente mostrou que 61% das empresas aumentaram o estoque de produtos cruciais e que 55% tomaram medidas para garantir que tivessem pelo menos duas fontes de matérias-primas. Apenas 11% haviam promovido uma “aproximação” geográfica com a ideia de evitar os riscos de interrupção do abastecimento por fornecedores muito distantes.

“Mudar a mentalidade na indústria leva tempo”, diz Duncan Johnston, líder da área de indústria no Reino Unido na Delloite. “Você não consegue transformar muito rapidamente o que era uma cadeia de abastecimento global em uma mais centrada no Reino Unido ou nas proximidades”.

O mesmo vale para as ambições ambientais, acrescenta. Embora as empresas já tenham dedicado algum tempo a isso, elas ainda não “embarcaram realmente na grande jornada necessária para reduzir as emissões de carbono na economia do Reino Unido”.

As fábricas deparam-se com vários desafios ao longo do caminho. Além de reduzir as emissões em seus próprios processos, precisam levar em conta as das empresas em sua cadeia de abastecimento. Precisam encontrar novas fontes de energia para suas atividades e, em alguns casos, como o setor automotivo, redesenhar completamente seus produtos.

A indústria pesada, como a de aço e cimento, está na vanguarda dos esforços para reduzir as emissões das atividades econômicas. Sem contar a geração de energia, o setor siderúrgico é o maior emissor industrial de dióxido de carbono. É responsável por 7% a 9% de todas as emissões diretas decorrentes do uso de combustíveis fósseis, de acordo com a Associação Mundial do Aço.

Para cumprir as metas globais de clima e energia, as emissões do setor siderúrgico deveriam cair, no mínimo, pela metade até meados do século, segundo a Agência Internacional de Energia. Tal redução exigirá mais do que melhorias apenas graduais na eficiência dos altos-fornos tradicionais.

“Chegamos a um ponto em que, em termos dos esforços para melhorar a eficiência, não sobrou muito mais espaço”, afirma Martin Pei, diretor técnico da SSAB. “Para onde estamos olhando agora é para tecnologias realmente inovadoras”, diz ele.

No processo de produção de um alto-forno, as empresas usam carbono para extrair o oxigênio do minério de ferro e produzir ferro. Em vez disso, a SSAB usará gás hidrogênio limpo, produzido em um aparelho chamado eletrolisador, alimentado por fontes de energia renovável, que estão disponíveis em abundância na Suécia. O produto resultante é um intermediário sólido, chamado ferro-esponja, que segue para um forno elétrico a arco, onde é misturado com sucata para ser refinado e transformado em aço.

O êxito na produção do primeiro caminhão pesado da Volvo mostra que “toda a cadeia de valor funciona”, de acordo com Pei.

A SSAB estima que o metal de seu processo baseado em hidrogênio será, pelo menos inicialmente, 20 a 30% mais caro que o de produção convencional. Pei, no entanto, diz que há clientes interessados e que a demanda por aço mais “verde” cresce à medida que mais e mais empresas se comprometem a reduzir as emissões suas cadeias de abastecimento.

O governo também precisará fazer sua parte para ajudar os fabricantes na transição a uma economia de baixas emissões.

Para a indústria siderúrgica europeia aderir em massa ao hidrogênio, por exemplo, exigiria uma expansão maciça do uso de fontes de energia renováveis. O apoio do Estado seria necessário para financiar o investimento necessário na expansão das redes elétricas e de outras infraestruturas que permitam a transformação para uma economia de baixas emissões.

O hidrogênio é um ótimo exemplo. A União Europeia e o Reino Unido divulgaram planos ambiciosos para desenvolver uma “economia do hidrogênio”, mas ainda há obstáculos para que isso se torne uma realidade comercial.

Por exemplo, diz Phipson, o Reino Unido tem um “setor inovador muito pequeno em hidrogênio […] o desafio é aumentar a escala”. O Reino Unido, acrescenta, é muito bom em financiamento à inovação e a pesquisas, mas o que se precisa é de “capital de expansão da escala”.

“Há um grande compromisso das empresas em usar capital privado, mas o governo também precisa fazer a sua parte”, diz Phipson sobre as fontes de financiamento.

Outra preocupação é preparar a mão de obra para lidar com essa transição. Mesmo antes da pandemia, as fábricas estavam preocupadas com os efeitos do envelhecimento da força de trabalho e em atrair talentos mais jovens, com mais habilidades digitais.

“Não conhecemos nenhuma empresa industrial que tenha tanta capacitação digital quanto gostaria”, diz Johnston.

Essas preocupações têm aumentado, já que muitos empregadores saíram da pandemia com um número ainda maior de postos de trabalho vagos. Phipson também gostaria de ver mais ação do governo nessa frente.

“É preciso ser mais ambicioso em relação à capacitação”, diz. Neste momento, a falta de capacitação é um “freio ao crescimento”.

Veículo de mineração do grupo sueco Volvo fabricado com aço “verde” da SSAB, que não utilizou carvão ou coque — Foto: Divulgação (reprodução Valor Econômico)

Fonte: Valor Econômico (https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/01/20/setor-industrial-tem-desafio-da-neutralidade-de-carbono.ghtml)

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